Ela era criança. Tinha que dormir cedo para ir para a escola de manhã. Quando mamãe falava para ela ir para cama, sentia medo, cala-frio, mas mesmo assim ia. Sempre fora obediente.
Não queria ir para cama, pois era sempre o mesmo pesadelo. Antes que ela conseguisse dormir, um homem chegava em sua casa. No começo, ouvia a voz de sua mãe e a do homem conversando baixinho. Depois, o volume aumentava. Ficavam aos gritos.
Ela se encolhia e cobria o rosto, tentando abafar o som. Com o tempo, foi se acostumando com esse estranho que entrava em sua casa todos os dias.
Quando ficou um pouco mais velha, com dez anos, viu o estranho bater em sua mãe. O que mais a chocou não foi a violência, mas ter reconhecido o estranho. Naquele momento, rezou para que seu pai tivesse um irmão gêmeo que nunca mencionara.
Na adolescência, aprendeu que tinha dois pais; o que conhecia e admirava desde criança, e o que voltava para casa no começo da noite; o que saía para trabalhar, e o que voltava do bar.
Nessa época, não teve mais medo, e resolveu enfrentar o que voltava para casa de noite. Um dia, o estranho foi para o quarto de sua mãe e com ela começou a gritar. A menina nem sequer pensou e, quando se deu conta, já estava quase em cima dele, aos gritos. Ela, que nunca brigara com seu pai, não ficou com medo nem vergonha de gritar com o homem à sua frente. Aquele não era seu pai para ter que respeitá-lo. Teve certeza disso enquanto olhava em seus olhos. Seu pai a olhava com ternura, mas aquele estranho a olhava com raiva.
Depois de algum tempo, o pesadelo finalmente chegou ao fim. O estranho nunca mais voltou para casa mas, para sua tristeza, seu pai também não.
Julia Wigner.