segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O Espelho

"Close your eyes, and think of someone you physically admire. Let me kiss you. But then, you open your eyes, and you see someone that you physically despise." - Let me kiss you - Morrissey.
Ela sempre foi muito bonita. Tinha um rosto que roubava a atenção em qualquer lugar que fosse. O cabelo era aquele que todas queriam, fazendo com que muitas mulheres gastassem muito dinheiro para conseguirem ter um cabelo um pouco parecido com o dela. Todas as formas, os ângulos e as cores de seu rosto andavam em perfeita harmonia.
Ela até se achava bonita, quando o espelho a refletia apenas do pescoço para cima. Também, pudera. Nunca conseguiu ser magra mas, cá para nós, não era tão gorda assim. Era, como posso dizer, gordinha.
Mas isso não era o suficiente. Ela cresceu vendo os padrões de boa forma cada vez mais sem formas. Na sua família, era sempre a gordinha, a desajeitada.
Em sua casa, também não encontrava sossego. Sempre ouvia uma crítica. Quando perguntava à sua mãe se sua roupa estava bonita, sempre ouvia: "Está ótimo, mas ficaria muito melhor se você emagrecesse..." Com essa resposta, já não sabia se a roupa estava boa.
O pior era encontrar com o irmão, que sempre a olhava fundo nos olhos e falava: "Você é tão linda..." e, antes que ela conseguisse ficar feliz, ele concluía: "... pena que é tão gorda."
Ela, que sempre se esforçava para conseguir agradar a todos, não conseguia fazer nada quanto a isso. Todos a pressionavam tanto, que ela não conseguia emagrecer nem com dietas e exercícios.
Olhava-se no espelho e, muitas vezes, não queria nem sair de casa. Se via cinco vezes mais gorda do que era.
Uma noite, ao chegarem em casa depois de um árduo dia de trabalho, seus pais seguiram um rastro de sangue que começava na cozinha, passava pelo quarto dela e acabava no banheiro, frente ao espelho.
Olharam para o chão e viram sua linda, porém gordinha, filha maqueada, penteada e vestida elegantemente, com trajes de festa, caída em uma poça de sangue, com um sorriso no rosto, uma faca na mão, e a barriga retalhada.
Ninguém entendeu nada.


Julia Wigner.